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FILOSOFIA

A Filosofia nasce na Grécia, em Mileto , cidade Jónica da Ásia Menor, hoje Turquia. A sua emergência resulta do facto dos primeiros pensadores sentirem necessidade de compreender e explicar a natureza (Physis) de modo racional.

FILOSOFIA

A Filosofia nasce na Grécia, em Mileto , cidade Jónica da Ásia Menor, hoje Turquia. A sua emergência resulta do facto dos primeiros pensadores sentirem necessidade de compreender e explicar a natureza (Physis) de modo racional.
26.02.08

Filosofia, fé e felicidade II


António A. B. Pinela

Santo Agostinho dispõe-se a percorrer o longo e árduo caminho que o separa desde o sentimento do abalo interior até à meta desejada, isto é, a tranquilidade do seu ser em Deus. Para tanto, no caminhar do percurso, há que superar e vencer o obstáculo que representa o corpo, sempre atreito a muitos vícios. Como superar tais enfermidades?

É através do método da interioridade, a fim de se conhecer a si mesmo, recolhendo-se das coisas sensíveis, que o homem consegue a libertação interior, como nos ensina o pensador em De beata uita.

A metodologia de Agostinho comporta um papel moral muito importante, na medida em que desnuda os vícios de que o homem é objecto e prepara-o para a renúncia das coisas sensíveis (as que perturbam o espírito) e para o desapego a uma vida fácil em sentido mundano. Agostinho dispõe-se, por conseguinte, a levar por diante a sua tarefa, mesmo que isso implique sacrifícios, visto que quer alcançar a meta que entende ser a mais desejada e verdadeira, no sentido da tranquilidade espiritual.

Se a felicidade consistisse apenas em satisfazer as tendências egoístas do corpo, o homem não sentiria uma certa insatisfação dentro de si, como aconteceu com Agostinho. Pois o gozo ou o fruir do sensível não é duradoiro, embora possa ser imediato. O método de Agostinho permite ao homem superar estes obstáculos, na medida em que desenvolve a interioridade espiritual e o faz penetrar no mais profundo do valor ético do bem. Trata-se, pois, de um método imanente, referencial da reflexão que parte da realidade sentida pelo homem e que, progressivamente, o induz a superar-se sem cessar até encontrar, em si, a transcendência.

A busca da vida feliz, através da experiência dos bens finitos, que Agostinho concluiu serem insuficientes, porque são transitórios, deu lugar a um processo de ascensão a Deus. Este processo que Agostinho inicia com a reflexão filosófica não é, contudo, suficiente para alcançar os seus propósitos. O elemento é também indispensável em todo este processo. Serão a reflexão e a fé que ajudarão o homem a encontrar e a percorrer os caminhos para uma vida de verdade, de libertação e de virtude, sendo que esta é a actividade essencial da alma.

Sociologicamente, a carência traduz-se em desejo, devido a que o homem carece de ser. Consequentemente, carece também da luz do conhecimento que permite discernir o que é bom e o que é mau. Por isso, o desejo por carência de ser não se satisfaz apenas com o possuir algo, como diz Santa Mónica, porque nem sempre o que se quer e se consegue nos torna felizes. Querer o mal e obtê-lo não pode fazer feliz o sujeito deste desejo. Quer isto dizer que nem tudo o que se tem ou se quer e se obtém faz com que sejamos felizes, por querer o que não convém será desejar a própria infelicidade. Por conseguinte, uma vontade má é o maior impedimento à felicidade, porque se se é infeliz por não se ter o que se quer, não é menos verdade que ter tudo o que se quer pode também fazer o homem infeliz, basta que se obtenha algo susceptível de produzir o mal. Pode, portanto, dizer-se que todo aquele que quer e obtém o mal não sabe querer, visto que deseja a perversidade que, como já foi dito, contribui para a inexistência do ser. Consequentemente, se quem é infeliz é aquele que não sabe querer, então é porque a sua alma está cheia de vícios.

Nesta linha de pensamento, dir-se-á que tudo o que contribui para a realização do ser faz o homem feliz. Por conseguinte, para efectuar esta realização, o homem deve poder desejar algo que não esteja sujeito às incertezas da fortuna nem às circunstâncias do acaso. Neste sentido, Agostinho acredita que só o eterno pode fazer feliz o homem, pois, como se sabe, o que é transitório, em todos os sentidos, não está sempre ao nosso alcance e, se eventualmente, alguma vez está, não se mantém no tempo que desejamos. Dirá, então, Agostinho que não será por causa da fortuna das coisas perecíveis, ainda que momentaneamente muito agradáveis, nem por se viver em abundância que o homem consegue uma vivência de felicidade, mas sim pela moderação da sua alma.

Outro aspecto da ética agostiniana é a confluência da razão e da . O sentido da razão parece ser muito profundo, significa a actividade da alma e um movimento de perfeição interior, que aliada à fé funda a ética.

Agostinho considera que as faculdades razão, vontade e virtude são de ordem teológica: Deus as deu ao homem. Mas o homem é livre de reconhecer a Deus e, consequentemente, de aceitar a sua ajuda e os seus dons. Mas isto não quer dizer que o homem que não reconheça a Deus não possa praticar a virtude, pode. Simplesmente um tal homem não pode ser predicado de sábio, não só porque a sabedoria é o conhecimento das coisas divinas e humanas, mas também porque a sabedoria é um donum Dei. Portanto, a virtude daquele que não reconhece a Deus não está plenamente justificada nem valorizada. É por isso que santo Agostinho pretende proteger o espírito e a sensibilidade humana das vicissitudes da existência. Como? Apelando para a prática sábia da virtude, porque é graças à autonomia da virtude que o sábio encontra a liberdade e é feliz em todas as circunstâncias. António Pinela, Reflexões.

12.02.08

Filosofia, fé e felicidade - I


António A. B. Pinela

Todos queremos ser felizes, é uma asserção indesmentível. Por exemplo, Santo Agostinho procurou e encontrou a felicidade em Deus, outros pensam encontrar aquele bem espiritual em outros objectivos. Santo Agostinho não prejudicou ninguém com a sua escolha; poder-se-á dizer o mesmo de outras pessoas que querem ser felizes? Um breve olhar pelo que se passa à nossa volta dir-nos-á que não, que há quem não olhe a meios para alcançar a felicidade, mesmo que a sua felicidade espalhe infelicidade a outrem.

No Outono de 386, Santo Agostinho retira-se para Cassicíaco com o propósito de descansar do seu magistério e fortalecer a saúde, padecia de enfermidade desconhecida. Mas Agostinho não parte só. Como sente necessidade de comunicar-se com os outros no amor e na amizade, faz-se acompanhar de sua mãe, Santa Mónica, de seu irmão Mavígio, de seus alunos e concidadãos Trigécio e Licêncio, de seus primos Lartidiano e Rústico e de seu filho Adeodato, o mais novo dos elementos do grupo.

O motivo próximo da renúncia a uma vida agitada e mundana e a uma profissão parece ter sido uma forte dor no peito que impediria Agostinho de exercer a sua actividade. Foi talvez esta tempestade que o socorreu, desviando-o das coisas sensíveis e parte rumo ao caminho desejado.

Para além dos problemas de saúde, Santo Agostinho não terá sentido a doença como um aviso providencial? Os motivos de saúde são, com certeza, válidos, mas creio que secundários. O motivo principal da sua retirada é de ordem espiritual e religiosa.

Embora as discussões filosóficas manifestem profundas preocupações com questões relacionadas com o corpo, a alma, os vícios e a virtude, Deus, o espírito, etc., centram-se intencionalmente sobre o modo de obter a felicidade, sem que deixem de ser tratados aqueles temas, igualmente presentes nas suas reflexões,

Não espanta que o Santo tenha preferido, para uma das suas primeiras grandes reflexões, o tema da felicidade. Em todos os espíritos há um desejo universal que se manifesta de múltiplas formas e que impulsiona o homem a procurar a vida feliz, ou, de outra forma dito, o conforto repousante do seu ser. Santo Agostinho conta-nos, na sua obra De beata uita, como encontrou e realizou aquele desejo. Tão importante é este assunto que é a primeira das suas especulações, que ele não vê que mais mereça ser considerado um dom de Deus, por isso o grupo de Cassicíaco se ocupa do assunto com tanto entusiasmo.

As reflexões empreendidas em Cassicíaco revelam-nos a vontade de Agostinho em abandonar um certo tipo de felicidade terrena e de descobrir uma vida nova retirado de um certo mundo, respondendo à vocação que sentia em experimentar uma vida tendencialmente perfeita. Vida que não deixava de ressoar no íntimo da sua alma, desde a leitura de Hortensius de Cícero. Este sentimento inicial caracteriza a atitude de Agostinho como uma busca constante que o leva a auto-transcender-se e a procurar para além de si próprio.

Concretamente, em relação ao tema em análise, este movimento de auto-transcendência exerce-se no querer, no conhecer e o viver a própria felicidade. Este movimento ou desejo que leva o homem a procurar a felicidade acontece porque não é em si próprio que o homem pode encontrar o bem que o faça feliz, mas em algo que seja mais do que o próprio homem e que, por consequência, o transcenda. Esta transcendência não é, segundo Santo Agostinho, senão Deus.

Como todos os homens, Agostinho quer ser feliz. Em De beata uita ele faz um elogio à vida feliz. No entanto, não deixa de nos alertar para o facto da busca da vida feliz impor condições, uma delas exige que o homem tome consciência de si. Esta tomada de consciência, adverte ele, provoca no homem o sentimento de que está perdido, visto que fomos lançados para este mundo, um pouco ao acaso e sem orientação, por uma entidade que não sabemos bem qual é.

Perante esta situação e, até certo ponto, desconfiado da razão para lograr, por si só, o esclarecimento do caminho que pretende percorrer, Santo Agostinho far-se-á um defensor da Filosofia, entendida esta como busca e como meio para nos encaminharmos para a região sólida da felicidade. Contudo, não basta somente a prática filosófica, porque só será plenamente feliz o homem que regressar a Deus. E para regressar a Deus o homem tem que, primeiramente, conhecer a sua própria situação e, depois, dedicar-se ao conhecimento de Deus. Este parece ter sido o processo por que passou Agostinho. (continua). António Pinela, Reflexões.