A Filosofia está ao alcance do entendimento comum, para que possa servir de orientação a quem dela carece directamente, embora os grandes desenvolvimentos estejam, de certo modo, "reservados" a especialistas, os filósofos, aqueles que tudo questionam, fazendo dessa forma avançar o conhecimento para uma melhor compreensão do mundo. Neste nível de reflexão está em causa pensar o que envolve a humanidade. Antevir, nesta dimensão do pensamento, requer persistência e coerência conceptual, o que não se experimenta num relance fugaz ou entusiasmo passageiro.
A contemplação filosófica liberta o pensamento do homem, tornando-o imparcial nas suas apreciações, com a finalidade de alcançar a verdade. Ao pugnar pela verdade, a contemplação amplia os nossos horizontes e esclarece os objectos da nossa acção e do nosso afecto, torna-nos homens mais conscientes, direcciona-nos para a prática de uma verdadeira libertação humana. Mas sendo contemplação, a Filosofia não está desligada da vida. Sem deixar de ser teórica, ela é também prática, tendo como sua preocupação contribuir para melhorar a existência humana.
Aquele que se afasta da vida quotidiana, das injustiças que ferem o mundo actual, da miséria e da pobreza criada pela ganância, pela ambição desmedida e pela cegueira do poder; aquele que não é capaz de um gesto contemplativo, que considera banalidades a metafísica, as ideias, ou mesmo o mistério divino, não é nem pode chegar a ser filósofo, nem será alguém feliz. O filósofo começa por ser aquele que se preocupa com todas estas situações, questionando-as permanentemente, visando a sua elucidação; e assim agindo, desenvolve a sua actividade criadora, cujo objectivo fundamental é contribuir para a libertação deste mundo das injustiças dos tiranos, gritando bem alto que o rei vai nu. Portanto, o filósofo bate-se contra os preconceitos, pela autonomia da razão; é aquele que, pela reflexão crítica, esclarece o seu pensamento e toma posição perante o mundo e a vida, procurando incessantemente o caminho da justa medida.
«Todos somos filósofos», diz Gramsci. No entanto, temos de distinguir o "filósofo" que todos somos, que ocasionalmente filosofa espontaneamente, do filósofo que sabe do ofício, o filósofo intencional, que concebe uma visão do mundo e da vida, que incessantemente persegue a busca de fundamentos para as suas ideias, princípios e concepções, que toma posição crítica sobre tudo o que ocorre. Enfim, o filósofo é o profissional que luta contra os preconceitos, o que está estabelecido, os dogmatismos e cepticismos, o laxismo e o facilitismo, procurando elucidar, por meio da reflexão, todos estes estados de espírito.
«Talvez possa dizer-se, esquematicamente, que o filósofo é aquele que mais pergunta, enquanto o sábio é o que mais e melhor sabe responder. Trata-se de dois perfis, não raramente coincidentes, mas que demarcam duas posturas ou posições que não devem confundir-se. Nos seus respectivos limites, o primeiro levar-nos-á ao ponto Ómega e aos confins do universo, enquanto o segundo nos conduzirá à supermecanização e automatização da vida e da sociedade.» (Romeu de Melo, In Diário de Notícias, de 26/12/87).
Ora, se o filósofo é aquele que ama, que procura a sabedoria, e se filosofar é estar a caminho, é a marcha do pensamento vivo, para se saber o que é a Filosofia tem que se fazer uma tentativa. Só então a Filosofia será simultaneamente a marcha do pensamento e a consciência desse pensamento.
A Filosofia não é, portanto, uma amálgama de teses sem relação, um conjunto de ideias desarticuladas. A Filosofia é um estado de alma, um produto da inteligência humana. Se a Filosofia é um estado da alma humana, o filósofo é aquele que se bate pela autonomia da razão; é aquele que, pela reflexão crítica, esclarece o seu pensamento e toma posição perante o mundo e a vida, procurando incessantemente o caminho da verdade. (António A. B. Pinela, Horizontes da Filosofia ).