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FILOSOFIA

A Filosofia nasce na Grécia, em Mileto , cidade Jónica da Ásia Menor, hoje Turquia. A sua emergência resulta do facto dos primeiros pensadores sentirem necessidade de compreender e explicar a natureza (Physis) de modo racional.

FILOSOFIA

A Filosofia nasce na Grécia, em Mileto , cidade Jónica da Ásia Menor, hoje Turquia. A sua emergência resulta do facto dos primeiros pensadores sentirem necessidade de compreender e explicar a natureza (Physis) de modo racional.
22.01.08

Os fins justificam os meios…


António A. B. Pinela

Talvez por influência do tempo que passa, dei por mim a reflectir sobre uma frase muito conhecida de Maquiavel. Com ele cai por terra a falácia da política enquanto busca da justiça e do bem-estar para todos. Conquistar e manter o poder, eis em síntese a finalidade essencial da política (cf. a sua obra, o Príncipe). É neste sentido que Maquiavel grafa a sua famosa, mas também a mais polémica frase: "Os fins justificam os meios”.

Muito já foi dito e escrito sobre esta afirmação. Contudo, ela permanece actual. Em primeiro lugar, é difícil não reconhecer que há uma relação entre fins e meios. Com efeito, há uma relação dialéctica entre os dois termos, no sentido de que há uma interdependência entre ambos: só posso colher se primeiro semear e, por outro lado, só posso semear se, de algum modo, já colhi. O problema é o que a afirmação ‘maquiaveliana’ encerra em si: o que se pode e o que não se pode fazer para atingir determinado fim? Se o fim é justo, todos os meios se justificam?
Esta questão não pode ser satisfatoriamente respondida sem equacionarmos outra que se coloca a priori: o que justifica um fim? Ora, a realidade social na qual vivemos está longe de se assemelhar ao paraíso ou à harmonia positivista da ordem e do progresso. A ordem mantém-se musculada, a partir da ocultação ideológica das relações sociais e mecanismos de exploração e pelo uso do aparato repressivo estatal, sempre que se faz necessário.
Por outro lado, o século passado e este que dá os primeiros passos, se pensarmos filosoficamente e não apenas do ponto de vista tecnológico, enterrou a ilusão positivista, mas também iluminista e a leitura evolucionista marxista, de que a humanidade marcharia sempre numa direcção progressista. Duas guerras mundiais, o nazismo, o fascismo, o estalinismo, as ditaduras de esquerda e de direita, os horrores que todos dias chegam ao conhecimento, que se observam por este mundo dito civilizado, etc., negam qualquer ideia no sentido de uma evolução linear positiva e pacífica.
Mesmo de um ponto de vista essencialmente capitalista, o progresso é um fracasso, pois que toda a riqueza produzida com o desenvolvimento tecnológico está concentrada cada vez mais nas mãos de poucos, aumentando o fosso entre ricos e pobres, e não é preciso ser marxista para se verificar que a miséria aumenta no mundo, que a desigualdade cresce e que as mazelas sociais atingem até mesmo os países mais poderosos.
Assim, a questão dos fins está (deveria estar) relacionada com a questão político-social e o bem-estar de todos. Todavia, se entendemos a política enquanto conflito de interesses entre grupos sociais, a justificação dos fins diz respeito às opções que fazemos quanto ao projecto político que defendemos, consciente ou inconscientemente. Evidentemente, que adoptar uma ou outra opção justificará este ou aquele fim. Numa sociedade onde impera a desigualdade e as relações de dominação e exploração entre grupos sociais, os fins não são universais, mas obviamente particulares.
Justificado o fim pelo projecto social que assumimos, podemos então discutir se os fins justificam os meios. Há uma tradição, que começa com o próprio Maquiavel, que responde afirmativamente. Se pensarmos na acção política concreta seria ingenuidade, própria de um moralismo abstracto desligado de contextos históricos concretos, imaginarmos que tanto a direita quanto a esquerda não justificam os meios utilizados pelo fim perseguido. O que é desejável é analisar se tais meios e fins, em si próprios, servem as causas sociais, que dizem defender.
Esta análise coloca-nos perante problemas concretos. Partindo do pressuposto que os fins procurados são diferentes, pode a direita e a esquerda utilizar os mesmos meios? Quem luta pela liberdade pode usar recursos ditatoriais, repressivos? Quem respeita a vida humana pode adoptar procedimentos de tortura, assassinatos etc., em nome de um objectivo político? O que diferencia uma ditadura de esquerda de outra de direita? O terrorista que luta pela liberdade de seu país justifica os meios que utiliza e que, invariavelmente, vitima inocentes?
Os fins justificam os meios, é verdade. Mas apenas na medida em que estes não entram em contradição com a vida humana. Quer dizer, nem tudo é permitido. Só é aceitável o que contribui para que se alcance um fim que não represente a sua própria negação.
 
António Pinela, Reflexões.

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