A razão universal em Álvaro Ribeiro
O estudo da obra, A Arte de Filosofar, de Álvaro Ribeiro, sugeriu-nos que centrássemos a nossa atenção em alguns temas específicos que nos despertaram interesse, desde logo a eventual hipótese de a língua portuguesa ser ou não apta para expressar o inquérito filosófico. Interrogámo-nos, então, por que razão a nossa língua não seria própria para transmitir os pensamentos mais profundos?
O problema, assim o entendimento, não está directamente relacionado com a potencialidade da língua portuguesa, mas sim prende-se com a divulgação da mesma e das obras dos autores portugueses.
Num passado não muito distante, os pensadores portugueses tiveram grandes dificuldades em fazer ouvir a sua voz. As editoras preferiam publicar obras que lhes garantissem o lucro certo, daí que a ficção (contra a qual nada temos) levasse a dianteira relativamente a outro tipo de trabalhos, como, por exemplo, artísticos, filosóficos ou científicos. (…)
No entanto, os tempos mudaram e hoje já podemos ler e apreciar filosofia e ciência escritas em português por portugueses. Já se ultrapassou a fase das publicações esporádicas e algumas obras de autores portugueses também já se traduzem em outras línguas. O que significa que, afinal, a língua portuguesa é, como defende Ribeiro, tão capaz como as outras para expressar o pensamento filosófico. Nem faria sentido que assim não fosse, visto que os portugueses têm traduzido centenas de obras e têm demonstrado capacidades para tal.
O idioma português é, portanto, tão apto como os outros (o inglês, o francês ou o alemão) para comunicar a história, as ideias ou a razão humana dos povos que falam esta língua. E é tanto mais apto quanto mais respeitarmos o espírito do próprio idioma e deixarmos de imitar avassaladoramente o que é próprio e intrínseco de outros idiomas.
Não há, disso estou convencido, razões para negar à língua portuguesa a capacidade de se expressar em qualquer modalidade de comunicação, seja oral ou escrita; seja artística, filosófica, religiosa ou científica.
Estou, no entanto, de acordo quanto à complexidade da linguagem. Mas estas dificuldades não são específicas da língua portuguesa, dizem respeito a todas, na medida em que a língua é o que há de mais comum, mais universal, a par da razão humana, numa comunidade linguística.
É para nós um dado adquirido a validade e universalidade da língua portuguesa. O que se pode questionar, como alertava Ribeiro, é o valor do discurso (como em qualquer idioma) e se este tem sentido. Há, por isso, que averiguar se as palavras ou frases ditas ou escritas têm significado ou se são desprovidas de valor ontológico, transmitindo apenas vacuidades.
As palavras ou frases ocas não podem transmitir valores universais, quanto muito transmitirão ilusões, principalmente para os próprios que as pronunciam. É por isso que Ribeiro dá muita importância à significação das palavras e opõe-se determinantemente aos positivistas, por estes pretenderem reduzir, no plano científico, as palavras a símbolos, ainda que a linguagem natural exprima melhor o valor da ciência.
Contudo, as mesmas palavras são susceptíveis de transmitir vários sentidos, o que pode introduzir alguma perturbação no sentido lógico das mesmas. Para obviar estas situações, os pensadores que reflectem sobre a vida e o sentido das palavras descobrirão, quanto possível, o valor comunicante de cada uma.
A diversidade de sentidos que as palavras conquistam não é de todo negativa, na medida em que é da atribuição de novos sentidos ou de mais sentido às palavras que emergem novas ideias. É interessante pensar-se na possibilidade de, com as mesmas palavras, dizer-se coisas diferentes ou novas. Quando tal ocorre estamos perante a criatividade e a inteligência significativas. (…)
Esta realidade ou inteligência superior não a podemos conhecer do mesmo modo que conhecemos as coisas ou a sua natureza, referimo-nos obviamente a conhecimento de Deus. É verdade que a razão é uma faculdade universal do homem e pode alcançar o conhecimento de Deus, mas somente por inferência, como escreve Ribeiro. Neste sentido, como já foi dito, o conhecimento de Deus não é directo, mas sim opera-se a partir do que podemos conhecer directamente, se admitirmos que o que é conhecido é produto da sua criação. Mas se algo é ou está criado, como negar a existência do seu criador? (…)
António Pinela